Nunca tinha olhado a situação do povo negro escravizado
no Brasil, sob a ótica trabalhista, até ler um artigo publicado
no "Recanto das letras" em 25/01/2011, pelo professor
universitário Acúrsio Esteves, baiano, atuando em Salvador.
É um artigo muito esclarecedor, cuja leitura recomendo a
todos que usam o cérebro para pensar. Obviamente, não é
leitura recomendada a nenhum 'coxinha', que só lê o que
lhe reforça a ideologia destrutiva.
"O 13 QUE A HISTÓRIA NÃO CONTOU"
"Treze de maio de 1888 passou para a história do Brasil
como o dia em que teria se acabado a escravidão em terras
tupiniquins.
Depois que a pena da princesa anunciou por decreto que não
mais haveria jugo, a população negra a partir de então seria
livre, não teria mais senhorio e poderia viver com dignidade
e igualdade.
Assim a escola me ensinou, assim eu aprendi e assim
acreditei durante longos anos da minha vida. É certo que
nunca entendi bem porque a Princesa Isabel, “A Redentora”,
decidira tomar tal atitude contrariando os interesses dos
que detinham o poder e entrando em sintonia com os
anseios da subjugada população negra, de alguns poetas,
intelectuais e políticos sonhadores que se diziam
abolicionistas. Pensava: foi uma verdadeira revolução
sem sangue feita por uma mulher de coragem.
O que a escola nunca me ensinou foi que à época, os
negócios do açúcar brasileiro, que era a principal fonte de
riqueza nacional e onde estava alocada aproximadamente
90% da mão-de-obra escrava, iam de mal a pior. O açúcar
da América Central era mais barato, mais próximo dos
grandes mercados e de melhor qualidade que o nosso.
Não dava para competir. Infelizmente só aprendi a
“História da Conveniência”, e Geografia Física onde os
aspectos políticos e econômicos “não eram” de nosso
interesse.
O imenso contingente de escravos tornara-se então um
fardo para os senhores de engenho. Como sustentar esta
”horda” de homens, mulheres e crianças, mesmo sob
miseráveis condições, diante de tal crise econômica?
Era a pergunta que não se calava e que teve apenas uma
resposta: Demissão em massa.
Sim amigos e amigas, a demissão em massa foi a solução
encontrada para os trabalhadores e trabalhadoras forçados
que edificaram e sustentavam a economia nacional.
E foi a maior, mais cruel de todos os tempos e quiçá de
todas as partes do mundo.
Foi uma demissão sem direitos trabalhistas, quando milhões
de trabalhadores saíram do único abrigo que conheceram
por toda a vida apenas com seus míseros pertences e a
roupa do corpo.
E não tinham direito a ficar se quisessem. Só os mais aptos
ao trabalho ou os que possuíssem alguma especialização
foram mantidos como empregados, apenas pelo interesse
do seu senhorio capitalista. Esta demissão teve um nome
bonito: Lei Áurea.
Antes dela, porém, vieram outras da mesma forma
convenientes aos interesses da classe dominante.
Vejamos: A primeira foi a Lei Eusébio de Queirós, em 1850,
que proibia o tráfico. Como a Inglaterra na prática já havia
decidido interceptar e apreender os navios negreiros,
libertando os escravizados, então, foi uma lei inócua.
A segunda, a Lei do Ventre Livre, 1871, serviu apenas para
diminuir a pressão social dos abolicionistas. Ela não tinha
aplicação prática, pois, como a criança pode ser livre com
pais escravos? Será que ela, a criança, teria escola, moradia
digna e cidadania enquanto seus pais estavam nas senzalas?
Ela, que ainda seria tutelada até a idade de 21 anos pelos
senhores de seus pais, teria vida de cidadã ou de escrava?
A terceira, a Lei dos Sexagenários, 1885, foi a mais perversa
de todas, pois a expectativa de vida do cidadão livre à época
era de 60/65 anos e a do escravo 32/40 anos. Eram raros os
que chegavam à idade contemplada pela lei. Era muito difícil
ter o controle da idade exata do escravo. Ainda hoje não são
poucas as pessoas que não possuem registro de nascimento.
Então, se o negro estivesse apto ao trabalho, forte, com boa
saúde, era fácil dizer que ele ainda não tivesse alcançado
a idade prevista pela lei. Porém se ele estivesse doente ou
imprestável para o trabalho, nada mais cômodo que
conferir-lhe os 60 anos e mandá-lo embora.
Após a “libertação”, o imenso contingente “livre”, dentre os
quais estavam os fracos, doentes, velhos, crianças e outros
“excedentes”, foi enxotado de uma hora para outra para o
olho da rua. Não havia uma política agrária nem instrução
pública e gratuita para os libertos, como defendia Joaquim
Nabuco. Você já parou para refletir sobre as futuras
condições de vida dos(as) que foram “libertados”?
_ Onde iriam morar?
_ Como iriam sobreviver?
_ Iriam ser respeitados de uma hora para outra
como cidadãos e cidadãs?
_ Que tipo de oportunidades a “sociedade” que
eles construíram ofereceria para que esta gente
construísse sua vida?
Não é preciso ser especialista em sociologia para responder a
estas indagações. Mas onde foi parar esta gente escorraçada
das ruas das cidades por “vadiagem”? Que não tinha trabalho
para sustentar a si nem a sua eventual família, nem moradia
digna? Foi parar na periferia das cidades, morando em casas(?)
miseráveis, sem esgoto, luz, água tratada, lazer, trabalho,
educação, saúde, dignidade... Onde permanece, em sua grande
maioria, até os dias atuais. Alguma semelhança com a Rocinha,
Alagados, Pela Porco, Buraco Quente, Vigário Geral, Jardim
Felicidade, Vila Zumbi, não é mera coincidência."
Estão aí, límpidas e claras, as razões de todas as políticas
afirmativas levantadas para o povo negro, que não são
nenhuma concessão gratuita, mas sim tentativas de
pagamento de uma dívida inquestionável!
Abraço do tesco.
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