quarta-feira, 8 de novembro de 2017
LENDO E APRENDENDO
Minha preferência é por ficção científica, mas leio de tudo.
Tudo (ou quase) é aproveitável, nos cabe é ficar de "orelha
em pé" para sentir o que tem de melhor naquela leitura.
Acabei de ler um livro de contos policiais, do norte-americano
Dashell Hammett (1894-1961), "O grande golpe" (não, não se
trata da imposição de Temer e sua quadrilha no Governo do
Brasil, é sobre crimes menores). Mas o autor lança expressões
de pensamento que fazem lembrar os brasileiros.
Veja aqui se não lembra a renomada prudência mineira:
"Era daquele tipo cauteloso que olha pela janela num
dia de aguaceiro e diz “Parece estar chovendo”, para
a possibilidade remota de alguém estar atirando água
de cima do telhado."
Note o sentimentalismo do rapaz:
"Mas, naquele grito – naquele único lamento – estava
contido um sentimento de horror à morte.
O que ainda resta da minha alma tem pele calejada,
mas, mesmo assim, minha testa se franziu."
Aqui parece se referir ao político brasileiro:
"O quarto estava escuro como
as perspectivas de um político honesto."
Neste parágrafo cita como a PM brasileira, normalmente,
deixa os bandidos que encontra:
"Normalmente, os seis homens que encontramos
lá dentro teriam quase acabado conosco.
Mas eles estavam mortos demais para isso."
Sem dúvida, uma leitura interessante, afora a trama
própria dos cuntos. Portanto, Leiamos!
Abraço do tesco.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
PRELÚDIO DE UM CRIME
"Sue arranjou um emprego num bar
administrado por um grego chamado
Vassos.
Um dos clientes de Vassos era Babe
McLoor, mais de 120 quilos de ossos
e músculos escoceses-irlandeses-
indígenas, um gigante moreno que
estava descansando depois de
cumprir uma pena de quinze anos
em Leavenworth.
Babe estava conseguindo dinheiro
para beber atacando pedestres nas
ruas escuras.
Babe gostava de Sue.
Vassos gostava de Sue.
Sue gostava de Babe.
Vassos não gostava disso."
Dasshell Hammett, "O grande golpe", (Papel mata-moscas)
terça-feira, 3 de outubro de 2017
QUANTO MAIS LUZ...
"- Estamos transitoriamente maus...
- Correto, Paulino Garcia, mas não há nenhum espirito
da Criação que consiga cristalizar-se no mal para
sempre. Momento chegará em que, por mais tenhamos
nos alimentado no mal, haveremos de regurgitá-lo,
porquanto somente a prática do bem não excede
em suas medidas. Quanto mais luz, mais luz!"
(Dr. Inácio Ferreira)
(do livro "Viver é para sempre",
psicografado por Carlos Baccelli)
- Correto, Paulino Garcia, mas não há nenhum espirito
da Criação que consiga cristalizar-se no mal para
sempre. Momento chegará em que, por mais tenhamos
nos alimentado no mal, haveremos de regurgitá-lo,
porquanto somente a prática do bem não excede
em suas medidas. Quanto mais luz, mais luz!"
(Dr. Inácio Ferreira)
(do livro "Viver é para sempre",
psicografado por Carlos Baccelli)
domingo, 24 de setembro de 2017
PREPARANDO-SE PARA MORRER!
O que podemos esperar de um governo golpista e genocida
como a quadrilha que se abancou no poder?
"Massacres, sofrimentos e assassinatos, levam os indígenas
Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul a tomarem a última
decisão drástica:
Após sofrerem duras ataques, indígenas guaranis kaiowá
se preparam espiritualmente para resistir em permanecer
seus TEKOHÁ até a morte.
A decisão foi tomada em coletivo na terra Indígena
Ñhanderú Marangatu, diante ao túmulo do indígena guarani
kaiowá Semião Vilhalva, assassinado pelos produtores rurais
no último dia 26/08 no município de Antônio João / MS."
*** *** ***
Abraço plangente do tesco.
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
ESTUDAR OU NÃO?
No livro "Mayombe", do escritor angolano Pepetela,
encontramos, no capítulo 2, "A base", esta prédica do
personagem Comandante Sem Medo ao seu subordinado,
guerrilheiro "Lutamos":
"Lutamos pensou que encontrava apoio no Comandante.
Sentiu coragem para proferir:
— É por isso que não estou de acordo com o Comissário,
que nos obriga a ir à escola.
— Tu, Lutamos, és um burro! – disse Sem Medo. – Quem
não quer estudar é um burro e, por isso, o Comissário tem
razão.
Queres continuar a ser um tapado, enganado por todos...
As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de
poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com
a cabeça dos outros. O homem tem de saber muito, sempre
mais e mais, para poder conquistar a sua liberdade, para
saber julgar. Se não percebes as palavras que eu
pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não?
Terás de perguntar a outro.
Dependes sempre de outro, não és livre. Por isso toda a
gente deve estudar, o objetivo principal duma verdadeira
Revolução é fazer toda a gente estudar."
*** *** ***
Estudemos, pois!
Nunca desperdicemos uma oportunidade de aprender!
Abraço do tesco.
encontramos, no capítulo 2, "A base", esta prédica do
personagem Comandante Sem Medo ao seu subordinado,
guerrilheiro "Lutamos":
"Lutamos pensou que encontrava apoio no Comandante.
Sentiu coragem para proferir:
— É por isso que não estou de acordo com o Comissário,
que nos obriga a ir à escola.
— Tu, Lutamos, és um burro! – disse Sem Medo. – Quem
não quer estudar é um burro e, por isso, o Comissário tem
razão.
Queres continuar a ser um tapado, enganado por todos...
As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de
poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com
a cabeça dos outros. O homem tem de saber muito, sempre
mais e mais, para poder conquistar a sua liberdade, para
saber julgar. Se não percebes as palavras que eu
pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não?
Terás de perguntar a outro.
Dependes sempre de outro, não és livre. Por isso toda a
gente deve estudar, o objetivo principal duma verdadeira
Revolução é fazer toda a gente estudar."
*** *** ***
Estudemos, pois!
Nunca desperdicemos uma oportunidade de aprender!
Abraço do tesco.
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
DO MOMENTO ATUAL
"Em um momento em que a maldade
se exerce impunemente,
ser apenas inútil merece louvores."
MONTAIGNE
["Os Ensaios", livro 3, capítulo 9: Da vaidade]
se exerce impunemente,
ser apenas inútil merece louvores."
MONTAIGNE
["Os Ensaios", livro 3, capítulo 9: Da vaidade]
domingo, 10 de setembro de 2017
MONTAIGNE SABE O QUE FALA!
"A obstinação e a convicção exagerada
são a prova mais evidente da estupidez.
Haverá algo mais afirmativo, resoluto,
desdenhoso, contemplativo, grave
e sério do que um burro?"
(Montaigne, in "Os Ensaios", livro 3,
capitulo 8: Da arte de conversar)
são a prova mais evidente da estupidez.
Haverá algo mais afirmativo, resoluto,
desdenhoso, contemplativo, grave
e sério do que um burro?"
(Montaigne, in "Os Ensaios", livro 3,
capitulo 8: Da arte de conversar)
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
UMA CONSPIRAÇÃO!
No livro "Historia do Brasil para quem tem pressa", do
professor e Historiador Marco Costa, encontramos uma
análise sucinta, porém bem interessante, do tempestuoso
período da História do Brasil que precede o golpe militar
de 1964.
UMA CONSPIRAÇÃO
"João Goulart estava atravessado na garganta da elite
brasileira como uma espinha."
"Visto agora, passados 60 anos, é possível inferir que, da
forma que se deu, a renúncia de Jânio foi uma conspiração.
A viagem de uma comitiva brasileira para países comunistas,
como China e União Soviética, encabeçada por João Goulart,
foi a gota-d’água para os opositores no Brasil.
Na natureza, nada acontece de acordo com a vontade dos
homens. Já na história, tudo acontece pela vontade deles.
Somos nós que fazemos a história. Desse modo, a renúncia
de Jânio Quadros aconteceu não “enquanto” Jango estava em
viagem aos países comunistas, mas “porque” Jango estava
em viagem aos países comunistas.
Ao mesmo tempo que a comitiva seguia seu périplo, no Brasil,
Jânio Quadros era colocado contra a parede. Então, em 25 de
agosto de 1961, Jânio renuncia.
O primeiro passo estava dado.
Para os militares, era importante que a renúncia de Jânio
ocorresse no período da viagem de João Goulart. Na ausência
do vice-presidente, que constitucionalmente deveria assumir
o posto, quem assumiu foi o presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzilli.
O segundo passo também estava dado em direção ao golpe.
Não tenha dúvidas, embora não haja documentos, de que tudo
estava milimetricamente articulado.
Os militares e as elites econômicas estavam esperando
apenas a oportunidade, e ela surgiu no momento em que se
começou a articular a viagem de João Goulart ao Leste
Europeu e à China.
Assim que o vice-presidente colocou os pés fora do país, a
conspiração deslanchou. Contudo, o golpe militar só não se
consumou porque surgiu entre os militares uma dissidência.
No Rio Grande do Sul, surge uma resistência civil e militar ao
golpe — João Goulart era gaúcho —, a chamada Campanha
da Legalidade, encabeçada pelo então governador Leonel
Brizola. Diante do impasse, decidiu-se que João Goulart só
poderia assumir o poder se o regime de governo fosse alterado
de presidencialismo para parlamentarismo. Em 2 de setembro
de 1961, foi implantado o regime parlamentarista no Brasil,
tendo como presidente da República João Goulart e como
primeiro-ministro Tancredo Neves. Só assim os militares
consentiram o retorno de Jango.
Em janeiro de 1963, no entanto, por meio de um plebiscito,
João Goulart consegue fazer passar a volta do modelo
presidencialista, sendo extinta, portanto, a figura do primeiro-
ministro. Com plenos poderes, João Goulart parte para o
ataque. Do outro lado, os militares, derrotados, conspiravam."
* * *
Infelizmente, nosso atual presidente golpista (e "ex vice-
presidente") esteve na China recentemente, e não aconteceu
nada! Ele está do "lado certo".
Esse "rapaz" continua atravessado na garganta do povo
brasileiro, mas não da "elite".
Abraço do tesco.
professor e Historiador Marco Costa, encontramos uma
análise sucinta, porém bem interessante, do tempestuoso
período da História do Brasil que precede o golpe militar
de 1964.
UMA CONSPIRAÇÃO
"João Goulart estava atravessado na garganta da elite
brasileira como uma espinha."
"Visto agora, passados 60 anos, é possível inferir que, da
forma que se deu, a renúncia de Jânio foi uma conspiração.
A viagem de uma comitiva brasileira para países comunistas,
como China e União Soviética, encabeçada por João Goulart,
foi a gota-d’água para os opositores no Brasil.
Na natureza, nada acontece de acordo com a vontade dos
homens. Já na história, tudo acontece pela vontade deles.
Somos nós que fazemos a história. Desse modo, a renúncia
de Jânio Quadros aconteceu não “enquanto” Jango estava em
viagem aos países comunistas, mas “porque” Jango estava
em viagem aos países comunistas.
Ao mesmo tempo que a comitiva seguia seu périplo, no Brasil,
Jânio Quadros era colocado contra a parede. Então, em 25 de
agosto de 1961, Jânio renuncia.
O primeiro passo estava dado.
Para os militares, era importante que a renúncia de Jânio
ocorresse no período da viagem de João Goulart. Na ausência
do vice-presidente, que constitucionalmente deveria assumir
o posto, quem assumiu foi o presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzilli.
O segundo passo também estava dado em direção ao golpe.
Não tenha dúvidas, embora não haja documentos, de que tudo
estava milimetricamente articulado.
Os militares e as elites econômicas estavam esperando
apenas a oportunidade, e ela surgiu no momento em que se
começou a articular a viagem de João Goulart ao Leste
Europeu e à China.
Assim que o vice-presidente colocou os pés fora do país, a
conspiração deslanchou. Contudo, o golpe militar só não se
consumou porque surgiu entre os militares uma dissidência.
No Rio Grande do Sul, surge uma resistência civil e militar ao
golpe — João Goulart era gaúcho —, a chamada Campanha
da Legalidade, encabeçada pelo então governador Leonel
Brizola. Diante do impasse, decidiu-se que João Goulart só
poderia assumir o poder se o regime de governo fosse alterado
de presidencialismo para parlamentarismo. Em 2 de setembro
de 1961, foi implantado o regime parlamentarista no Brasil,
tendo como presidente da República João Goulart e como
primeiro-ministro Tancredo Neves. Só assim os militares
consentiram o retorno de Jango.
Em janeiro de 1963, no entanto, por meio de um plebiscito,
João Goulart consegue fazer passar a volta do modelo
presidencialista, sendo extinta, portanto, a figura do primeiro-
ministro. Com plenos poderes, João Goulart parte para o
ataque. Do outro lado, os militares, derrotados, conspiravam."
* * *
Infelizmente, nosso atual presidente golpista (e "ex vice-
presidente") esteve na China recentemente, e não aconteceu
nada! Ele está do "lado certo".
Esse "rapaz" continua atravessado na garganta do povo
brasileiro, mas não da "elite".
Abraço do tesco.
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
OS OLHOS CULPADOS
Fuçando no blog de Bráulio Tavares, Mundo Fantasmo,
encontro esta pérola que é a lenda dos "Olhos culpados",
que, coitados, são quem menos têm culpa neste cartório.
Além de nos narrar a lenda, Bráulio faz uma análise muito
criteriosa dela, o que bem vale os poucos minutos que
passemos imersos neste universo de lenda/análise.
Por isso atrevo-me a transcrever esta sua poatagem:
OS OLHOS CULPADOS
"As narrativas curtas que chamamos variadamente de
fábula, apólogo, lenda, caso, etc., têm uma economia
narrativa própria que não é a mesma do conto literário.
É como se fosse uma história mais longa que foi perdendo
adornos e adereços ao longo do caminho através do
tempo, e ficou reduzida somente ao essencial.
A narrativa abaixo está na Antologia da Literatura
Fantástica (org. Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares e
Silvina Ocampo, Cosac Naify, 2013, trad. Josely Vianna
Baptista). Ela é atribuída a Ahmed Ech Chiruani, autor
talvez inventado, porque o Google não parece saber sobre
ele mais do que eu sei.
OS OLHOS CULPADOS
Ahmed Ech Chiruani
Contam que um homem comprou uma moça por quatro mil
denários. Um dia olhou para ela e começou a chorar.
A moça lhe perguntou por que estava chorando; ele
respondeu:
– Tens olhos tão belos que me esqueci de adorar a Deus.
Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios olhos.
Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
– Por que te maltrataste assim? Diminuíste teu valor.
Ela respondeu:
– Não quero que haja nada em mim que te afaste de adorar
a Deus.
De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia:
“A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para
nós e a tiramos de ti.” Ao acordar, encontrou quatro mil
denários sob o travesseiro. A moça estava morta.
* * *
Primeiro que tudo, olha que maneira mais eficiente de
começar uma história:
1. Contam que um homem comprou uma moça por quatro
mil denários.
“Contam”, abrindo uma narrativa, equivale, estruturalmente
falando, a “era uma vez”. Joga os 100% da história para o
território do mítico, do oral, do lendário, do ouvi-dizer.
Algo parecido ocorre com o uso da moeda “denário”: era
uma moeda romana (o Google se redime informando-me
que essa moeda valia um dia de salário de um trabalhador),
portanto historicamente datada. Mas isso é a moeda, não a
palavra: a palavra, como símbolo de valor monetário, deu o
francês “denier”, o árabe “dinar” e o português “dinheiro”.
Estamos, portanto, em pleno território do arquétipo.
E essa beleza de construção: “comprou uma moça”. O
autor não diz que era uma escrava. Não precisa. Comprar
escravos nesse mundo é como comprar um cavalo ou um
passarinho. O homem comprou uma moça – e não era uma
moça qualquer, porque ele pagou o equivalente a quatro
mil dias de trabalho de um trabalhador comum.
Digamos que, com nosso salário mínimo em torno de
900,00 reais, um dia de trabalho valha em torno de 30 reais:
a moça custou 120 mil reais. Não era uma moça qualquer.
Se aparecesse numa revista não seria em Baratas, mas em
Caras.
2. Um dia olhou para ela e começou a chorar.
É típico dessas narrativas darem saltos bruscos de frase
em frase, sem muitas explicações. Quem era o homem?
Tinha esposa(s), filhos? Que papel a moça foi
desempenhar junto a ele: empregada doméstica, serva
sexual, o quê? Não sabemos. Nesta segunda frase o autor
pula direto para o fato inusitado que desencadeia o
desfecho. A frase 1 é introdução, da 2 em diante tudo
é resultado.
3. A moça lhe perguntou por que estava chorando.
Existem trinta mil livros cuja história começa com alguém
chorando e alguém perguntando por quê. É sempre uma
boa maneira de começar, se não um livro inteiro, pelo
menos um capítulo. “Certa tarde, ao descer a escadaria
que levava ao salão, Fulana ouviu ruídos abafados.
Aproximando-se, viu que Sicrano estava sentado numa
saleta lateral, com o rosto entre as mãos, os ombros
sacudidos por soluços...” Sempre funciona.
4. Ele respondeu: – Tens olhos tão belos que me esqueci
de adorar a Deus.
O amor, seja físico, seja platônico, nos distrai das paixões
abstratas, entre as quais pensar em Deus não é uma de se
jogar fora. Que o diga Nelson Gonçalves, neste bolero (de
David Nasser e Herivelto Martins) que parece adaptado do
conto de Ahmed Ech Chiruani:
“Eu amanheço pensando em ti
Eu anoiteço pensando em ti
Eu não te esqueço, é dia e noite pensando em ti...
Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus...
Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus.”
(Gravação original: "Pensando em ti"
Parar de pensar em Deus parece uma tragédia,
principalmente parar de pensar em Deus por causa de uma
curvilínea comprada em moeda sonante. Isto nos prepara
(mas não totalmente) para o próximo ziguezague da
narrativa.
5. Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios
olhos.
Nesse passado milenar e machista, a mulher sente que está
trazendo turbulência espiritual para a vida do seu amo e
senhor, e decide punir a si própria. E deixa para fazê-lo
quando fica sozinha, para que ninguém tente impedi-la.
Em contos assim não há meio termo. As pessoas só tomam
decisões radicais.
6. Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
– Por que te maltrataste assim? Diminuíste teu valor.
Esta fala é de um ambiguidade fascinante. Ele poderia ter
dito: “-- Nunca mais verás as coisas belas da vida... / -- Não
devias ter te maltratado tanto... / -- Perdi os olhos que tanto
adorava / ...” – enfim, poderia ter tido mil reações de horror
ou de dó. Mas não: “Diminuíste o teu valor (de mercado).
Ninguém a quem eu queira te vender (porque vou te
vender, já que não tens mais aquilo que me encantava) vai
me pagar o preço que investi em ti.”
Ressalva: Existe a possibilidade, caso de fato seja um
conto oriental, de algo ter se modificado na tradução.
A frase no original podia ser algo como “perdeste algo
valioso”, ou “diminuíste a beleza que te valorizava”...
Muitas vezes a tradução, mesmo tentando ser fiel, impõe
um sentido que o original não tinha.
7. Ela respondeu:
– Não quero que haja nada em mim que te afaste de adorar
a Deus.
É um desses diálogos de que o cinema está cheio, o das
mulheres altruístas que se sacrificam para que o homem
amado possa, sei lá, casar com uma princesa sem que ela,
uma namorada plebéia, o atrapalhe, ou separam-se do
amado que vai se candidatar a um cargo público e não
pode mostrar o mundo uma amante negra... Todos os mil
sacrifícios feitos em nome do amor. Mesmo que se trate
(no presente caso) do amor impossível de uma mulher
pelo homem que a comprou.
8. De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia:
“A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para
nós e a tiramos de ti.”
O sonho, nesses contos orientais, é quase sinônimo da voz
de Deus (em contos ocidentais modernos, é a voz do
Inconsciente Freudiano). Portanto, é Deus, o Deus em
quem ele deixara de pensar, que se comove com o
sacrifício da moça. (Veja-se também o plural divino, que
pode ser visto como o plural majestático dos reis, ou como
uma insinuação de um Deus múltiplo.)
Deus percebe que ela sacrificou os próprios olhos não
somente pelo homem, para que pudesse pensar em Deus,
mas também por Deus, para que pudesse ser adorado em
paz. Deus agradece à moça o gesto elegante de ter se
retirado da disputa e deixado caminho livre para Ele no
coração do homem.
9. Ao acordar, encontrou quatro mil denários sob
o travesseiro. A moça estava morta.
Um desfecho perfeito, em duas frases tão indissolúveis
uma da outra quanto as duas faces da Lua. Deus leva a
moça e devolve o dinheiro que o homem, por um instante,
julgou ter perdido. E, ironicamente, a história termina como
começou: a moça sendo novamente comprada por quatro
mil denários.
A leitura do ponto de vista feminino nos mostra a tragédia
de uma moça vendida como escrava, que acaba assediada
pelo patrão por sua beleza, assusta-se, mutila-se para
escapar-lhe, e acaba morrendo. A moça é quem menos
ganha com tudo que aconteceu.
O homem compra uma escrava, deixa-se levar por uma
paixão carnal, perde a escrava, recupera o dinheiro.
E ganhou o que com tudo isto? Ganhou a experiência;
ganhou um fato extraordinário em sua vida; ganhou (talvez
o conto seja autobiográfico, e o homem da história seja
Ahmed Ech Chiruani) uma história para contar."
*** *** ***
Você leu e gostou, não?
Sempre é bom divulgar o que nos causa boa impressão!
Abraço do tesco.
encontro esta pérola que é a lenda dos "Olhos culpados",
que, coitados, são quem menos têm culpa neste cartório.
Além de nos narrar a lenda, Bráulio faz uma análise muito
criteriosa dela, o que bem vale os poucos minutos que
passemos imersos neste universo de lenda/análise.
Por isso atrevo-me a transcrever esta sua poatagem:
OS OLHOS CULPADOS
"As narrativas curtas que chamamos variadamente de
fábula, apólogo, lenda, caso, etc., têm uma economia
narrativa própria que não é a mesma do conto literário.
É como se fosse uma história mais longa que foi perdendo
adornos e adereços ao longo do caminho através do
tempo, e ficou reduzida somente ao essencial.
A narrativa abaixo está na Antologia da Literatura
Fantástica (org. Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares e
Silvina Ocampo, Cosac Naify, 2013, trad. Josely Vianna
Baptista). Ela é atribuída a Ahmed Ech Chiruani, autor
talvez inventado, porque o Google não parece saber sobre
ele mais do que eu sei.
OS OLHOS CULPADOS
Ahmed Ech Chiruani
Contam que um homem comprou uma moça por quatro mil
denários. Um dia olhou para ela e começou a chorar.
A moça lhe perguntou por que estava chorando; ele
respondeu:
– Tens olhos tão belos que me esqueci de adorar a Deus.
Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios olhos.
Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
– Por que te maltrataste assim? Diminuíste teu valor.
Ela respondeu:
– Não quero que haja nada em mim que te afaste de adorar
a Deus.
De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia:
“A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para
nós e a tiramos de ti.” Ao acordar, encontrou quatro mil
denários sob o travesseiro. A moça estava morta.
* * *
Primeiro que tudo, olha que maneira mais eficiente de
começar uma história:
1. Contam que um homem comprou uma moça por quatro
mil denários.
“Contam”, abrindo uma narrativa, equivale, estruturalmente
falando, a “era uma vez”. Joga os 100% da história para o
território do mítico, do oral, do lendário, do ouvi-dizer.
Algo parecido ocorre com o uso da moeda “denário”: era
uma moeda romana (o Google se redime informando-me
que essa moeda valia um dia de salário de um trabalhador),
portanto historicamente datada. Mas isso é a moeda, não a
palavra: a palavra, como símbolo de valor monetário, deu o
francês “denier”, o árabe “dinar” e o português “dinheiro”.
Estamos, portanto, em pleno território do arquétipo.
E essa beleza de construção: “comprou uma moça”. O
autor não diz que era uma escrava. Não precisa. Comprar
escravos nesse mundo é como comprar um cavalo ou um
passarinho. O homem comprou uma moça – e não era uma
moça qualquer, porque ele pagou o equivalente a quatro
mil dias de trabalho de um trabalhador comum.
Digamos que, com nosso salário mínimo em torno de
900,00 reais, um dia de trabalho valha em torno de 30 reais:
a moça custou 120 mil reais. Não era uma moça qualquer.
Se aparecesse numa revista não seria em Baratas, mas em
Caras.
2. Um dia olhou para ela e começou a chorar.
É típico dessas narrativas darem saltos bruscos de frase
em frase, sem muitas explicações. Quem era o homem?
Tinha esposa(s), filhos? Que papel a moça foi
desempenhar junto a ele: empregada doméstica, serva
sexual, o quê? Não sabemos. Nesta segunda frase o autor
pula direto para o fato inusitado que desencadeia o
desfecho. A frase 1 é introdução, da 2 em diante tudo
é resultado.
3. A moça lhe perguntou por que estava chorando.
Existem trinta mil livros cuja história começa com alguém
chorando e alguém perguntando por quê. É sempre uma
boa maneira de começar, se não um livro inteiro, pelo
menos um capítulo. “Certa tarde, ao descer a escadaria
que levava ao salão, Fulana ouviu ruídos abafados.
Aproximando-se, viu que Sicrano estava sentado numa
saleta lateral, com o rosto entre as mãos, os ombros
sacudidos por soluços...” Sempre funciona.
4. Ele respondeu: – Tens olhos tão belos que me esqueci
de adorar a Deus.
O amor, seja físico, seja platônico, nos distrai das paixões
abstratas, entre as quais pensar em Deus não é uma de se
jogar fora. Que o diga Nelson Gonçalves, neste bolero (de
David Nasser e Herivelto Martins) que parece adaptado do
conto de Ahmed Ech Chiruani:
“Eu amanheço pensando em ti
Eu anoiteço pensando em ti
Eu não te esqueço, é dia e noite pensando em ti...
Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus...
Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus.”
(Gravação original: "Pensando em ti"
Parar de pensar em Deus parece uma tragédia,
principalmente parar de pensar em Deus por causa de uma
curvilínea comprada em moeda sonante. Isto nos prepara
(mas não totalmente) para o próximo ziguezague da
narrativa.
5. Quando ficou sozinha, a moça arrancou os próprios
olhos.
Nesse passado milenar e machista, a mulher sente que está
trazendo turbulência espiritual para a vida do seu amo e
senhor, e decide punir a si própria. E deixa para fazê-lo
quando fica sozinha, para que ninguém tente impedi-la.
Em contos assim não há meio termo. As pessoas só tomam
decisões radicais.
6. Ao vê-la nesse estado, o homem ficou aflito e disse:
– Por que te maltrataste assim? Diminuíste teu valor.
Esta fala é de um ambiguidade fascinante. Ele poderia ter
dito: “-- Nunca mais verás as coisas belas da vida... / -- Não
devias ter te maltratado tanto... / -- Perdi os olhos que tanto
adorava / ...” – enfim, poderia ter tido mil reações de horror
ou de dó. Mas não: “Diminuíste o teu valor (de mercado).
Ninguém a quem eu queira te vender (porque vou te
vender, já que não tens mais aquilo que me encantava) vai
me pagar o preço que investi em ti.”
Ressalva: Existe a possibilidade, caso de fato seja um
conto oriental, de algo ter se modificado na tradução.
A frase no original podia ser algo como “perdeste algo
valioso”, ou “diminuíste a beleza que te valorizava”...
Muitas vezes a tradução, mesmo tentando ser fiel, impõe
um sentido que o original não tinha.
7. Ela respondeu:
– Não quero que haja nada em mim que te afaste de adorar
a Deus.
É um desses diálogos de que o cinema está cheio, o das
mulheres altruístas que se sacrificam para que o homem
amado possa, sei lá, casar com uma princesa sem que ela,
uma namorada plebéia, o atrapalhe, ou separam-se do
amado que vai se candidatar a um cargo público e não
pode mostrar o mundo uma amante negra... Todos os mil
sacrifícios feitos em nome do amor. Mesmo que se trate
(no presente caso) do amor impossível de uma mulher
pelo homem que a comprou.
8. De noite, o homem ouviu em sonho uma voz que dizia:
“A moça diminuiu seu valor para ti, mas o aumentou para
nós e a tiramos de ti.”
O sonho, nesses contos orientais, é quase sinônimo da voz
de Deus (em contos ocidentais modernos, é a voz do
Inconsciente Freudiano). Portanto, é Deus, o Deus em
quem ele deixara de pensar, que se comove com o
sacrifício da moça. (Veja-se também o plural divino, que
pode ser visto como o plural majestático dos reis, ou como
uma insinuação de um Deus múltiplo.)
Deus percebe que ela sacrificou os próprios olhos não
somente pelo homem, para que pudesse pensar em Deus,
mas também por Deus, para que pudesse ser adorado em
paz. Deus agradece à moça o gesto elegante de ter se
retirado da disputa e deixado caminho livre para Ele no
coração do homem.
9. Ao acordar, encontrou quatro mil denários sob
o travesseiro. A moça estava morta.
Um desfecho perfeito, em duas frases tão indissolúveis
uma da outra quanto as duas faces da Lua. Deus leva a
moça e devolve o dinheiro que o homem, por um instante,
julgou ter perdido. E, ironicamente, a história termina como
começou: a moça sendo novamente comprada por quatro
mil denários.
A leitura do ponto de vista feminino nos mostra a tragédia
de uma moça vendida como escrava, que acaba assediada
pelo patrão por sua beleza, assusta-se, mutila-se para
escapar-lhe, e acaba morrendo. A moça é quem menos
ganha com tudo que aconteceu.
O homem compra uma escrava, deixa-se levar por uma
paixão carnal, perde a escrava, recupera o dinheiro.
E ganhou o que com tudo isto? Ganhou a experiência;
ganhou um fato extraordinário em sua vida; ganhou (talvez
o conto seja autobiográfico, e o homem da história seja
Ahmed Ech Chiruani) uma história para contar."
*** *** ***
Você leu e gostou, não?
Sempre é bom divulgar o que nos causa boa impressão!
Abraço do tesco.
terça-feira, 22 de agosto de 2017
PROFECIA
51 anos atrás, Robert Kennedy dizia que estamos
no caminho correto, apoiando Lula:
“Cada vez que um homem honra um ideal… ele emana uma
pequena ondulação de esperança, e cruzando-se umas com
as outras de um milhão de diferentes centros de energia e
ousadia, essas ondulações constroem a corrente que pode
derrubar os mais sólidos muros de opressão e resistência.”
Robert Kennedy, 1966
("50 Ideias de física quântica que você precisa conhecer",
Joanne Baker)
no caminho correto, apoiando Lula:
“Cada vez que um homem honra um ideal… ele emana uma
pequena ondulação de esperança, e cruzando-se umas com
as outras de um milhão de diferentes centros de energia e
ousadia, essas ondulações constroem a corrente que pode
derrubar os mais sólidos muros de opressão e resistência.”
Robert Kennedy, 1966
("50 Ideias de física quântica que você precisa conhecer",
Joanne Baker)
domingo, 30 de julho de 2017
DIZEM AS PAREDES_3
Dizem sim e, por vezes, as paredes emitem sábios conselhos.
É o que se lê em "O livro dos abraços", de Eduardo Galeano.
Se não acreditam, vejam um exemplo do que ele coletou,
em suas andanças pelas Américas:
"Em Montevidéu, no bairro Braço Oriental:
Estamos aqui sentados, vendo como matam os nossos sonhos.
E, no cais na frente do porto de Buceo, em Montevidéu:
Bagre velho: não se pode viver com medo a vida inteira.
Em letras vermelhas, ao longo de um quarteirão inteiro
da avenida Cólon, em Quito:
E se nos juntarmos para dar um chute nesta grande bolha
cinzenta?"
Pode ser apenas coincidência, mas são advertências que
se adequam perfeitamente ao momento pelo qual o Brasil
está passando.
E, infelizmente, estamos nos comportando como o
"bagre velho" da citaçao!
Abraço do tesco.
É o que se lê em "O livro dos abraços", de Eduardo Galeano.
Se não acreditam, vejam um exemplo do que ele coletou,
em suas andanças pelas Américas:
"Em Montevidéu, no bairro Braço Oriental:
Estamos aqui sentados, vendo como matam os nossos sonhos.
E, no cais na frente do porto de Buceo, em Montevidéu:
Bagre velho: não se pode viver com medo a vida inteira.
Em letras vermelhas, ao longo de um quarteirão inteiro
da avenida Cólon, em Quito:
E se nos juntarmos para dar um chute nesta grande bolha
cinzenta?"
Pode ser apenas coincidência, mas são advertências que
se adequam perfeitamente ao momento pelo qual o Brasil
está passando.
E, infelizmente, estamos nos comportando como o
"bagre velho" da citaçao!
Abraço do tesco.
RECESSO DO SORTESCO
Os sortescos sofrerão um recesso temporário, devido a
despesas financeiras inprevistas.
Não ocorre falta de livos ou CD's para sorteio, mas não é
coerente arranjar encargos futuros enquanto cada centavo
torna-se necessário, né?
O sortesco retornará assim que o orçamento esteja
requilibrado, o que espero ocorrer em dois meses.
Abraço do tesco.
despesas financeiras inprevistas.
Não ocorre falta de livos ou CD's para sorteio, mas não é
coerente arranjar encargos futuros enquanto cada centavo
torna-se necessário, né?
O sortesco retornará assim que o orçamento esteja
requilibrado, o que espero ocorrer em dois meses.
Abraço do tesco.
sábado, 29 de julho de 2017
SORTESCO 406 - RESULTADO
(Bala perdida / Minha formação)
A dezena sorteada hoje foi 41,
a opção vencedora é de:
a opção vencedora é de:
ÉRIKA!
Parabéns!
Parabéns!
A DESMEMÓRIA_4
"Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no
centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo.
Chicago está cheia de fábricas,
Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Hey market, peço aos meus amigos
que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886,
aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro
de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe.
Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires
de Chicago na cidade de Chicago.
Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal
da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas
as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as
religiões e as culturas do mundo;
mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio
é um dia como qualquer outro.
Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente,
e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os
direitos da classe operária não brotaram do vento,
ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Hey market, meus amigos
me levam para conhecer a melhor livraria da cidade.
E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro
um velho cartaz que está como que esperando por mim,
metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África:
Até que os leões tenham seus próprios historiadores,
as histórias de caçadas continuarão glorifícando o caçador."
* * *
Extraído de "O livro dos abraços". de Eduardo Galeano.
Abraço do tesco.
centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo.
Chicago está cheia de fábricas,
Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Hey market, peço aos meus amigos
que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886,
aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro
de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe.
Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires
de Chicago na cidade de Chicago.
Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal
da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas
as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as
religiões e as culturas do mundo;
mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio
é um dia como qualquer outro.
Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente,
e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os
direitos da classe operária não brotaram do vento,
ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Hey market, meus amigos
me levam para conhecer a melhor livraria da cidade.
E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro
um velho cartaz que está como que esperando por mim,
metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África:
Até que os leões tenham seus próprios historiadores,
as histórias de caçadas continuarão glorifícando o caçador."
* * *
Extraído de "O livro dos abraços". de Eduardo Galeano.
Abraço do tesco.
quinta-feira, 27 de julho de 2017
SORTESCO D 51
CD CLAUDONOR GERMANO
série 20 SUPER SUCESSOS vol. 1
"Tu não te lembras da casinha pequenina...", ê frevinho bom!
Com o mais tradicional intérprete de frevos canção, esse disco
nos remete aos carnavais do passado, quando os frevos de
Capiba e Nélson Ferreira imperavam sem dúvida alguma. Tem
pouco mais de uma hora pra nos fazer reviver os tempos da
infância ouvido frevo. As faixas são:
01. Chego Já
02. Elefante de Olinda
03. Pot-Pourri: Oh Júlia / Casinha Pequenina /
Gosto de Te Ver Cantando /
Linda Flor da Madrugada (5:41)
04. Oh! Que Frevo Bom
05. Frevo do Cordão Azul
06. Queimando a Massa
07. Frevo das Meninas
08. Estação da Luz
09. Tá Maluco
10. Mulher Bonita
11. Pot-Pourri: Segure no Meu Braço /
Que Será de Nós / Já Vi Tudo (5:17)
12. Lua Grande
13. Pela Ribeira
14. Pot-Pourri: Chora Palhaço / Sorri Pierrot /
Cabeça Branca / Evocação Nº 1 (4:41)
15. Capiba
16. Pot-Pourri: Quando Se Vai um Amor /
Você Faz Que Não Sabe / Deixa o Homem Se Virar /
A Pisada É Essa / Vamos pra Casa de Noca (5:52)
17. Pot-Pourri: Saudade / Recife /
Saudade de Pernambuco / Voltei Recife (4:40)
18. Isso Aqui Tá Bom
19. Pelas Ruas de Olinda
20. Pot-Pourri: Boneca / Ingratidão /
Você Gostou de Mim / O Teu Cabelo Não Nega (4:39)
CD MOREIRA DA SILVA
série A ARTE DE...
O maior expoente do samba de breque de todos os tempos,
Moreira cunhou um estilo todo particular, com a interpretação
magistral da temática do malandro, da favela e do povo pobre
que, rotineiramente, é alvo preferido na atuação da polícia.
Eis as farxas:
01. Rei Do Gatilho
02. Tira Os Óculos E Recolhe O Homen
03. Amigo Urso
04. Plantel
05. Na Subida Do Morro
06. Rainha Da Pérsia
07. Chave De Cadeia
08. Amigo Desleal
09. Filmando Na América
10. Só Vou De Gíria
11. Fui Á Paris
12. Morenguera Contra 007
13. Piston De Gafieira
14. Acertei No Milhar
15. A Nega Da Gafieira
16. Idade Não É Documento
17. De Como O Nego Doido Ficou Na Bronca
18. O Último Dos Mohicanos
19. Gago Apaixonado
20, A Resposta Do Amigo Urso
CD WALDIR AZEVEDO
série O TALENTO DE...
Notável virtuose do cavaquinho, Waldir é o compositor do mais
emblematico dos chorinhos, que é "Brasileirinho", do chorinho
mais bonito, "Pedacinho do céu" e do baião que tem mais cara
de choro de que menno pedindo sorvete, "Delicado". Por sinal,
os três fazem parte deste CD. Confira as faixas:
01 Brasileirinho
02 Pedacinho Do Céu
03 Delicado
04 Prelúdio Pra Ninar Gente Grande
05 Asa Branca
06 Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda
07 Kalu
08 Lamentos
09 Atrevido
10 Ave Maria
11 Mulher Rendeira
12 Naquele Tempo
13 Menino Do Braçanã
14 A Saudade Mata A Gente
INSCREVA-SE ASSIM:
Escolha apenas UMA dezena, AINDA DISPONÍVEL,
entre 00 e 99, e indique sua escolha nos comentários.
Sua opção será válida ATÉ às 17 horas do dia do sorteio.
O sorteio (item 2 do Regulamento) será em 02/08/2017.
(ou data indicada pela Caixa).
série 20 SUPER SUCESSOS vol. 1
"Tu não te lembras da casinha pequenina...", ê frevinho bom!
Com o mais tradicional intérprete de frevos canção, esse disco
nos remete aos carnavais do passado, quando os frevos de
Capiba e Nélson Ferreira imperavam sem dúvida alguma. Tem
pouco mais de uma hora pra nos fazer reviver os tempos da
infância ouvido frevo. As faixas são:
01. Chego Já
02. Elefante de Olinda
03. Pot-Pourri: Oh Júlia / Casinha Pequenina /
Gosto de Te Ver Cantando /
Linda Flor da Madrugada (5:41)
04. Oh! Que Frevo Bom
05. Frevo do Cordão Azul
06. Queimando a Massa
07. Frevo das Meninas
08. Estação da Luz
09. Tá Maluco
10. Mulher Bonita
11. Pot-Pourri: Segure no Meu Braço /
Que Será de Nós / Já Vi Tudo (5:17)
12. Lua Grande
13. Pela Ribeira
14. Pot-Pourri: Chora Palhaço / Sorri Pierrot /
Cabeça Branca / Evocação Nº 1 (4:41)
15. Capiba
16. Pot-Pourri: Quando Se Vai um Amor /
Você Faz Que Não Sabe / Deixa o Homem Se Virar /
A Pisada É Essa / Vamos pra Casa de Noca (5:52)
17. Pot-Pourri: Saudade / Recife /
Saudade de Pernambuco / Voltei Recife (4:40)
18. Isso Aqui Tá Bom
19. Pelas Ruas de Olinda
20. Pot-Pourri: Boneca / Ingratidão /
Você Gostou de Mim / O Teu Cabelo Não Nega (4:39)
CD MOREIRA DA SILVA
série A ARTE DE...
O maior expoente do samba de breque de todos os tempos,
Moreira cunhou um estilo todo particular, com a interpretação
magistral da temática do malandro, da favela e do povo pobre
que, rotineiramente, é alvo preferido na atuação da polícia.
Eis as farxas:
01. Rei Do Gatilho
02. Tira Os Óculos E Recolhe O Homen
03. Amigo Urso
04. Plantel
05. Na Subida Do Morro
06. Rainha Da Pérsia
07. Chave De Cadeia
08. Amigo Desleal
09. Filmando Na América
10. Só Vou De Gíria
11. Fui Á Paris
12. Morenguera Contra 007
13. Piston De Gafieira
14. Acertei No Milhar
15. A Nega Da Gafieira
16. Idade Não É Documento
17. De Como O Nego Doido Ficou Na Bronca
18. O Último Dos Mohicanos
19. Gago Apaixonado
20, A Resposta Do Amigo Urso
CD WALDIR AZEVEDO
série O TALENTO DE...
Notável virtuose do cavaquinho, Waldir é o compositor do mais
emblematico dos chorinhos, que é "Brasileirinho", do chorinho
mais bonito, "Pedacinho do céu" e do baião que tem mais cara
de choro de que menno pedindo sorvete, "Delicado". Por sinal,
os três fazem parte deste CD. Confira as faixas:
01 Brasileirinho
02 Pedacinho Do Céu
03 Delicado
04 Prelúdio Pra Ninar Gente Grande
05 Asa Branca
06 Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda
07 Kalu
08 Lamentos
09 Atrevido
10 Ave Maria
11 Mulher Rendeira
12 Naquele Tempo
13 Menino Do Braçanã
14 A Saudade Mata A Gente
INSCREVA-SE ASSIM:
Escolha apenas UMA dezena, AINDA DISPONÍVEL,
entre 00 e 99, e indique sua escolha nos comentários.
Sua opção será válida ATÉ às 17 horas do dia do sorteio.
O sorteio (item 2 do Regulamento) será em 02/08/2017.
(ou data indicada pela Caixa).
quarta-feira, 26 de julho de 2017
SORTESCO D 50 - RESULTADO
(Bienvenido Granda / Hits Brasil /Saint-Preux)
A dezena sorteada hoje foi 42,
a opção vencedora é de:
MANOEL CARLOS!
Parabéns!
Parabéns!
segunda-feira, 24 de julho de 2017
LIVRANDO A CARA DA POLÍCIA
Um dos textos de "Bala perdida". É longo para os padrões
da página, mas é deveras pertinente:
É uma covardia. Dotada de imensa assessoria de imprensa, a
da página, mas é deveras pertinente:
Os mecanismos midiáticos
que livram a cara dos crimes
das polícias militares no Brasil
que livram a cara dos crimes
das polícias militares no Brasil
Laura Capriglione
"O estado de São Paulo tem um personagem inconveniente,
insuportável mesmo. É uma mulher, espécie de maluca, dessas
que aparecem nas horas erradas, chamam atenção para si,
choram, carregam cartazes, brigam, falam alto.
Chama-se Débora Maria da Silva, que ficou desse jeito desde que
seu filho foi assassinado por homens encapuzados durante o
revide policial aos ataques da organização criminosa PCC
(Primeiro Comando da Capital), em maio de 2006.
Na ocasião, um verdadeiro massacre foi cometido no estado. Em
apenas dez dias, entre 12 e 21 de maio de 2006, caíram mortos
505 civis, assassinados em supostos confrontos com a polícia,
executados sumariamente por soldados da PM ou vitimados por
grupos de encapuzados. No mesmo período, 59 agentes públicos
foram mortos naquilo que consistiu a principal ação do PCC
contra o aparelho do Estado. Segundo o sociólogo Ignácio Cano,
do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual
do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro, um dado esclarecedor sobre as motivações da
morte de tantos civis (a dos agentes públicos, afinal, já se sabia
a mando de quem havia sido realizada) reside na cronologia
dos
fatos.
Enquanto os agentes públicos foram mortos nos dias 12 e 13, os
civis foram assassinados, fundamentalmente, entre os dias 14 e
17. Disse Cano em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:
“Esse quadro reforça a suspeita de que houve uma represália às
ações do PCC, uma vez que a maior parte dos civis morreu nos
dias seguintes”.
O filho de Débora, Édson Rogério da Silva, foi um desses 505
civis. Morreu na Baixada Santista, para integrar as estatísticas
do matadouro em que se transformou o estado de São Paulo.
E seria
apenas isto: mais um sujeito preto, pobre e favelado a
a engrossar as análises frias dos trabalhos acadêmicos e as
páginas policiais de jornais e revistas.
páginas policiais de jornais e revistas.
Devastada pela dor da perda do filho, Débora chegou a dormir no
cemitério onde ele se encontra enterrado, em Santos. E, então,
levantou-se para fazer a voz dele reviver na sua própria. Fundou
a organização Mães de Maio para cobrar a responsabilidade do
Estado no assassinato e no desaparecimento de moradores das
periferias pobres.
O nome Mães de Maio parece ecoar o de outro movimento contra
massacres cometidos pelo Estado, o Mães da Praça de Maio, que
age contra os crimes da ditadura militar argentina. Também
essas mães eram inconvenientes, intransigentes, insuportáveis.
E, por isso, eram chamadas de “las locas de la plaza de Mayo”.
Mas elas mudaram a história. E é isso o que Débora também quer
em sua incansável militância diária.
A dor de Débora fez dela a maior referência dos milhares de pais
e mães que, desde 2006, perderam seus filhos devido à ação da
Polícia Militar. Assim, o movimento Mães de Maio começou a
juntar também mães de outros meses, de 2007, 2008, 2009, até
hoje. E não para de crescer, porque a polícia nunca cessou de
tratar os pretos pobres, moradores das periferias, como
“suspeitos padrão”.
Débora exige apuração dos crimes. Mostra o rosto devastado
dos pais chorando a morte dos filhos. Dá nome e sobrenome
às vítimas. Cobra ação da Justiça.
às vítimas. Cobra ação da Justiça.
Denuncia a reação anestésica da mídia tradicional. Escracha os
programas sensacionalistas, que vivem de incitar a população
à prática da vingança de sangue. Débora incomoda porque
desnuda a violência estatal, uma violência bifronte que se
apóia em duas lógicas distintas, mas complementares:
1) a lógica policial militar, que entende os cidadãos negros,
pobres e periféricos como inimigos potenciais do Estado que
os exclui;
2) a lógica da violência simbólica, operada principalmente pela
mídia tradicional, que desumaniza e criminaliza as vítimas,
atuando como salvo-conduto para a prática da violência policial.
Senão, vejamos: o exercício racista da violência do Estado
brasileiro é de fazer inveja ao mais racista entre os policiais de
Baltimore, nos Estados Unidos, onde uma onda de rebeliões
negras em 2015 tem denunciado a covardia dos agentes
públicos, matando e torturando cidadãos afrodescendentes
como se nem humanos fossem.
Pois a PM de São Paulo matou 10.152 pessoas entre julho de
1995 e abril de 2014. Entre 2008 e 2012, foram 9,5 vezes mais do
que todas as polícias dos Estados Unidos. Enquanto os Estados
Unidos registraram 0,63 morte a cada 100 mil habitantes, em
São Paulo o índice foi de 5,87 no mesmo período.
A maioria era de moradores das periferias pobres, negros ou
pardos. Apesar disso, enquanto os Estados Unidos assistem a
um processo de indignação e protestos pelas mortes decorrentes
de ação policial, inclusive com homenagens a todos os negros
mortos pela polícia nos últimos meses (Michael Brown, Tamir
Rice e Eric Garner, entre outros), no Brasil opera-se uma espécie
de anestesia da sensibilidade social, da qual só agora
começamos a sair.
Como aconteceu essa dessensibilização, a ponto de nenhum
horror terem causado as mortes de 505 civis em um único estado
da Federação em apenas dez dias?
Como se desligaram os sensores humanos da tragédia social,
quando milhares de pessoas são vítimas de um Estado
ultraviolento e intrinsecamente racista?
Um dos mecanismos opera pelo registro da invisibilidade do
outro, dos outros, dos que não moram em Higienópolis, nos
Jardins, no Leblon ou em Ipanema. A tragédia do filho morto no
Capão Redondo ou no Alemão vira registro. Em Ipanema ou nos
Jardins, é matéria de capa. A invisibilidade da realidade da
periferia é parte do mecanismo que permite a supressão de
direitos.
Só reivindica direitos quem é visível no campo do debate
democrático. Tornar invisíveis os problemas vividos pelos
moradores da periferia é uma forma de eludir suas
reivindicações.
Explica-se: quando foi assassinado pela polícia o publicitário
Ricardo Prudente de Aquino, em julho de 2012, depois de
ultrapassar uma barreira policial em Alto de Pinheiros, um dos
bairros mais ricos de São Paulo, fizeram-se manifestações e
protestos, amigos vestidos de branco, rosas nas mãos, missa
na igreja Nossa Senhora do Brasil – a mesma dos casamentos
da elite paulistana. Repórteres de toda a imprensa presentes.
Ricardo era uma exceção branca num monte de cadáveres
negros e pobres. No mesmo mês, a polícia matara um jovem
segurança morador do fundão da Zona Sul da cidade.
A justificativa foi tê-lo confundido com um bandido.
Como aconteceu no bairro rico, mãe, pai, amigos e colegas de
trabalho desfilaram pelas ruas da periferia, com camisetas
brancas e rosas nas mãos. Mas a mãe já sabia: “Protesto por
assassinato de pobre não aparece no jornal”. Não apareceu
mesmo. Foi noticiado apenas como “registro”, ou nota curta,
sem foto.
Em certo sentido, isso se deve ao paroquialismo dos jornais,
com jornalistas cobrindo preferencialmente suas vizinhanças,
seu próprio espaço vital, onde circulam seus amigos e seus
familiares. É também porque os bairros ricos e de classe média
concentram o leitorado dos jornais, a clientela direta. Por fim,
tem a ver com a adesão ao projeto político tucano, que
hegemoniza a política paulista há vinte anos. O governador
do estado é o chefe da Secretaria de Segurança Pública.
Outro mecanismo acontece pela manipulação da narrativa.
O assassinato de um jovem trabalhador pela polícia é
apresentado como “confronto”. A vítima, criminalizada, é
invariavelmente acusada de ser traficante, de ter resistido à
prisão, de estar armada, versão que a mídia tradicional
retransmite docilmente e, na maioria dos casos, sem checar.
É uma covardia. Dotada de imensa assessoria de imprensa, a
Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública fabricam
suas “verdades” contra famílias pobres, desassistidas e
desesperadas pela dor e pelo medo, muitas vezes ameaçadas
caso ousem falar.
caso ousem falar.
Uma das maiores violências cometidas contra a família dos
jovens assassinados pela Polícia Militar e contra a própria
memória das vítimas reside em sua criminalização póstuma.
Já entrevistei dezenas de pais e mães de vítimas como forma de
documentar a violência policial, e a primeira coisa que a maioria
deles faz é apresentar a carteira de trabalho do filho morto. Uma
dessas mães mostrou-me a carta de condolências que o gerente
da loja McDonald’s em que o filho trabalhava mandou-lhe depois
do assassinato do menino por dois policiais militares fora de
serviço. A carta dizia que o jovem era um funcionário exemplar.
No enterro do jovem, colegas de escola e de emprego fizeram
questão de estar presentes, em solidariedade. Para a poderosa
assessoria de imprensa da polícia, entretanto, ele era apenas um
ladrão. Nos jornais, a autoridade policial apareceu dizendo que
o rapaz havia assaltado um supermercado e depois resistido –
armado – à ordem de prisão. Estava “justificada” a morte.
A mãe “foi procurada, mas não foi encontrada” figura, como
sempre, a justificativa para a falta do chamado “outro lado”.
E o menino virou bandido, algo que lança o estigma do crime
sobre a memória dele e sobre toda a sua família.
Outro recurso narrativo a favorecer a culpabilização da vítima
consiste na extração do jovem morto de qualquer contexto
afetivo, familiar, de vizinhança.
O resultado do processo é ele ser reduzido à condição de
“bandido absoluto”. Na maior parte das vezes, nem nome o
morto possui nos registros dos jornais.
O caso do pedreiro Amarildo é exemplar da atuação desse
mecanismo, usado no piloto automático pela mídia tradicional.
Ao mesmo tempo, trata-se de um marco a mostrar a potência das
contranarrativas geradas nas redes sociais por comunidades e
movimentos por direitos humanos.
O pedreiro Amarildo foi preso, torturado e morto pela Polícia
Militar do Rio de Janeiro no dia 14 de julho de 2013. Os jornais
tradicionais, fiéis às assessorias de imprensa da polícia,
apressaram-se em veicular a versão de que ele seria um
traficante ou um prototraficante e que seu desaparecimento
decorreria de acertos entre bandidos.
Foi graças à troca de mensagens, torpedos e à campanha “Onde
está o Amarildo?”, iniciada nas redes sociais, especialmente no
Facebook, com o apoio de movimentos como o Mães de Maio (da
inconveniente Débora) e da Rede de Comunidades e Movimentos
contra a Violência, que Amarildo tornou-se pedreiro e resgatou,
post mortem, sua humanidade.
Assim, descobriu-se que ele, que tinha o apelido de “Boi”, era
casado com a dona de casa Elizabeth Gomes da Silva e pai de
seis filhos, com quem dividia um barraco de um único cômodo.
Os jornais tradicionais – sob o risco da desmoralização – foram
obrigados a ir atrás da verdadeira história do pedreiro
assassinado.
Por fim, linha auxiliar importantíssima na manipulação, na
justificação e no incentivo da violência policial, estão os
programas sensacionalistas vespertinos, que têm entre suas
maiores estrelas os apresentadores Marcelo Rezende e José
Luiz Datena. [artigo esqcrito em 2015]
Segundo o tenente-coronel da reserva da Polícia Militar de
São Paulo Adilson Paes de Souza, esses programas enaltecem
a associação de “truculência e arbitrariedade policial com o
exercício de autoridade”. Segundo ele, alimentam ainda mais
essa violência porque são consumidos avidamente nos quartéis.
“O efeito terapêutico dessas falas nos policiais militares é
terrível”, moldando sua ação violenta e justificando-a.
Hoje, o Brasil começa a mostrar a potência das contranarrativas
feitas em rede e, como acontece nos Estados Unidos,
multiplicam-se os registros em vídeo das violências cometidas
por PMs, os quais viralizam pela internet; temos vítimas com
nome e sobrenome, com história, com família, com luto, com
carteira de trabalho.
Temos vítimas que são objeto de saudades. Graças à ativa
entrada dos pobres nas redes sociais, começam a ser
desmontadas as mentiras veiculadas pelas assessorias de
imprensa das polícias em conluio com uma imprensa
desqualificada e adepta de soluções fáceis e apurações
“por telefone”.
Esse é o caminho e o legado deixados pelas tantas mortes de
Amarildos, Cláudias, Douglas, Eduardos de Jesus. “Nossos
mortos têm voz”, dizem as Mães de Maio. Cada vez mais."
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(in "Bala perdida", org. B. Kucinski, 2015)
Abraço do tesco.
Abraço do tesco.
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