Ainda sem cirurgia marcada, ainda por regularizar a glicemia,
ainda comendo pouco (porque o olho é maior que a cara),
ainda lendo muito e ainda sem wi-fi regularizada.
Mesmo assim, deu-me vontade de contar uma historinha.
Totalmente fictícia, claro, mas para mim, contendo o germe
de uma tendência humana:
A "arte" de se engambelar por títulos!
* * *
Imagine que nosso caro amigo José Manoel, naturalmente
conhecido por todos como Zé Mané, faleceu, isto é, bateu as
botas, bateu a caçuleta, finou-se, passou dessa pra melhor,
empacotou, virou presunto, 'mórreu', ou, mais propriamente,
desencarnou.
Não cabe aqui dizer por quais méritos ou deméritos, viu-se
jogado num lugar escuro, mal-cheiroso, frio, onde sofria fome
e sede. Imediatamente resolveu fazer valer sua devoção e
apelou para "seu padim Pade Ciço Romão Batista" e, como
este não lhe fez ver os seus préstimos, clamou por 'JesusCristo',
que também demorou a se fazer ouvir.
Passado algum tempo, chamava por Deus e pedia para vir
tirá-lo "desse lugar orrive"'. Eis que, não demora muito, vê
surgir ao longe uma luz, que vem se aproximando.
Vem chegando, vem chegando e ainda não vê perfeitamente,
mas já distingue a forma de uma pessoa. Então exclama:
- Meu Deus, já vem o Sinhô sarvá esse pobre miseráve!
Aí ouve uma voz lhe respondendo:
- Eu não sou Deus!
Replica então:
- Mas o Sinhô num é Jesus? É a merma coisa!
A voz rebate:
- Eu não sou Jesus!
Sem distinguir semblante, vendo apenas o vulto luminoso,
arrisca um palpite:
- São Pedo?
- Nada de São Pedro, responde a voz.
Baixando a suposta hierarquia, arrisca outro santo:
- São Binidito?
Um santo negro é naturalmente um santo menor, na sua
concepção, mas ainda é um 'Santo'.
- Não sou santo nenhum.
"Eita, um home luminoso desse e num é um santo?
Deve de ser argum esprito de luz, cuma dizia Dona Glora,
lá do centro esprita".
Pensando assim, arrisca mais um nome, que se lembrava
de ter ouvido "Dona Glora" falar.
- Bezerra de Meneze?
- Não, meu irmão - esclarece o vulto - eu sou Zé da Farinha,
que toda semana você encontrava lá na feira.
- Ôxe! Zé da Farinha? Qué qui tu tá fazendo aqui, home?
- Vim lhe resgatar, meu irmão, quero levar você para um lugar
melhor.
- Vôte! Vou nada! Tô isperano um santo quarqué pra me levá
pro céu, e me aparece um Zé da Farinha? Tu tá lá no céu?
- Não, no céu não, mas comparado com isso aqui, qualquer
um ia querer se mudar.
- Apois eu num quero i não. Prefiro isperá um pôco mais,
Quarqué hora chega um santo aqui e pregunta: Cadê o Zé
Mané? E eu num tô. E aí?
- Mas meu irmão...
- Não, num quero cunvelsa, daqui num saio, daqui ninhum
Zé da Farinha me tira. Sei lá se é o capeta disfalçado...
* * *
E lá ficou o Zé Mané.
Sem nenhum discernimento, sem raciocínio claro, sempre se
deixando guiar pelos "dotô", se maravilhando com os títulos
terrestres. São os Zés Manés que votam num "Chiquinho do
Coronel Fabrício" apenas porque o Prefeito mandou.
É triste e lamentável que, mesmo depois de ultrapassado o
portal denominado morte, esses nossos amigos se recusem a
exercitar o raciocínio, só se curvando perante títulos que não
têm valor real.
Dizem que Zé Mané ainda está por lá...
Abraço do tesco.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
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