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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

LITERATURA DE CORDEL - 2

Ainda na antologia de Leandro Gomes de Barros (veja
sortesco aí embaixo), colhemos essa interessante
sucessão de preciosidades, no cordel "O casamento
hoje em dias".


Observem como, a partir da 17ª estrofe (Um sábio disse
uma vez...), o poeta exalta a mulher (até a 19ª), para, em
seguida, aplicar-lhe uma bela rasteira, com um desfecho
hilariante.


O CASAMENTO HOJE EM DIAS
Leandro Gomes de Barros

Quem casa n'um tempo d'este
Perdeu de tudo a razão
Urna mulher em 6 mezes,
Val dez annos de prisão
Agora as de onze e dõze
Com treze annos e quatorze?
Que faz esse desgraçado?
Olha para o céo exclama
Meu Deus! Nasci n'uma cama
Para morrêr n'um roçado.


Eu pensei que o casamento
Fosse uma parte do gózo
Mas, o que, elle faz parte
É de um xarope arnargoso.
Arde mais do que pimenta
É como o sol quando esquenta.
O homem perde a façanha,
Faça elle o que quiser
Porque a mão da mulher
Em vez de allisar arranha.


A mulher é um volume
Que tem um pêso infinito
Com carne de dois-mil reis
Feijão a crusado o litro
Farinha a mil e trezentos
Toucinho dois mil e duzentos
E esse só tem o couro
Ainda diz a mulher
Compre pelo que estiver
Não faça cara de choro.


Cinco litros de farinha
Do Recife ou Afógados
Se a pessõa for medir,
Talvez dão dê dez punhados,
Quiabo um, um vintem
E todo o dia não tem,
Lenha dois vinténs a lasca
Bananna hoje é um brinco
Se der um  tustão por cinco
Só se encontra n'ella a casca


Assucar sete tustões
E por kilo enferrujado
Alguns pingam mel de furo
Quando vem pouco molhado
Moleque atraz do balcão
Cada qual que meta a mão
Tira em grande quantidade,
Chegam a formarem até bulha
Depois que o cacheiro embrulha
Já falta mais da metade.


O solteiro não se assusta
Isso faz medo ao casado
Que tem por obrigação
Ir a feira ou ao mercado
Que pega a sexta ou o saco
E olha para o buraco
Onde elle precipitou-se
Volta, acha a mulher zangada
Pergunta-lhe a filharada
Papae, me trouxe pão doce?


Se o camaradinha disser
Meu filho, um X não voltou
A mulher pergunta logo
O que fez do que levou?
Tudo não está caro assim
Não sobrou foi para mim
Que o que como é subeijo
Eu não sei mais o que faça
Agora, por mais desgraça
Estou de antojos tenho desejo.


Estou desejando comer
Queijo fino e goiabada,
Tomar cidra e vinho do Porto,
Passa, figo e marmelada,
Ah! Quem me dera um presunto
Havia de comer muito
Acabaria o fastio
Isso é para uma nobre
Casei com um homem pobre
Além de pobre, vadio.


Veja um leitor se uma d'essas
Deseja coisa ruim
Pedra, pão, bagaço e lama,
Uma casa de cupim?
Só deseja coisas caras,
Embora que sejam raras,
Isso não ofende a ella.
O burro velho demente
Espera alli paciente
Para botarem-lhe a sella.


Para os tempos de abundancia
Casamento é um pagode
Porque com mil e quinhentos
Compra-se a banda deum bode
Farinha a cuia um crusado
Capâo bonito e sevado
Com trez mil reis compram dois
Manteiga compra uma lata
Compra um tustão de batata
E cinco tustoes de arroz


Hoje que um quarto de bode,
Menor que aza de um grilo
Tem custado em qualquer feira
Mil  e duzentos o kilo
Vêr-se a farinha de roça
Preta, crua, azeda e groça
Corn inhaca de cupim,
E como um rapaz solteiro
Sem emprego e sem dinheiro
Se atreve a casar assim ?


Inda que o camaradinha
Não tenha mãe nem irmã
Quando esta casando pença
O que se come amanhã ?
Meu sogro não tem dinheiro
Queira Deus o marinheiro
Queira me vender fiado,
Se a sogra. me visitar
i'!âo encontra o que jantar
Faz um bafafar damnado!


Porém esses que se casam
Depois que pegou a guerra,
Só para empregado publico
Ou gente que come terra,
Não acha em que trabalhar
Não tendo onde se empregar
Nimguem lhe vende fiado
A mulher diz eu estou nua,
Não posso sahir na rua
Meu vestido está rasgado.


Eu perguntei a um theologo
Homem muito scientifico
Se podia se encontrar
Mulher de genío pacifico
Elle me disse se encontra,
É diíilculdade monstra
Mas que o prestigio na droga
É mesmo uma raridade
Com especialidade,
N'uma freira ou n'uma sogra


Acrescentou o theologo
Entre espinhos nascem rosas
De dez mil mulheres feia
Tira-se cinco formosas
Como isso assim é tudo
Sai de um casal carrancudo
Um filho alegre e risão
Eu ainda não poude ver,
Foi uma sogra dizer
Que um genro tenha razão.


Mas mestre - perguntei eu -
Terá. mulher .paciente ? .
Disse elle qualquer uma,
Estando na calma é prudente,
Porém quando està irada
A lingua fica afiada
Deita espuma pela boca
Desconhece a divindade
Comete temeridade,
Como que estivesse louca.


Um sábio disse uma vez:
Sou defensor da mulher,
Vejo no céu dos seus olhos
O que não vejo em qualquer.
E sem ella nada havia,
Nem no espaço se via
Os horizontes azuis.
O mundo não tinha cores,
Seria um campo sem flores,
Ou uma igreja sem luz.


Eu classifico a mulher
Como a flor da existência,
O altar de divindade,
O símbolo da innocencia
Pois vejo que esse obejecto
Foi o grande predileto,
Do autor da criação.
Deus se esmerou tanto n'ella
Que a fez a obra mais bella
Entre toda a geração.


Como a luz planta na treva
O louro clarão garboso,
A mulher planta o praser
Num coração pressuroso.
Como a rosa no sereno
Ella com carinho ameno
Faz abrir um coração.
D'ella se extrai o praser,
Tudo tem que lhe render
O culto de adoração.


Embora que muitas d'ellas
Tornem-se um céu de torpesa,
Um armazém de ciúme,
Fabricação de despesa.
Há n'ellas uma excepção:
Algumas tem propenção
Não comer e ajuntar.
Um dia até sucedeu
De uma o marido morreu
E ella o quiz guardar.


(Antologia Leandro Gomes de Barros,
UFPB, 1977, págs 171-180)


Abraço do tesco.


2 comentários:

Unknown disse...

Sabe tudo esse Leandro!! Quero uma versão revista e ampliada, pra incluir o povo glbtttkxowsyoe! Porque é tudo igual, viu?

Yvonne disse...

Tesco, simplesmente adorável. Tomara que eu ganhe o livro.
Mais beijotescas